PROJETO

RESSONÂNCIAS TEMPORAIS 

Projeto para o edital "Edital CoMciência - Ocupação em Arte, Ciência e Tecnologia" 








Resumo


A instalação interativa “Ressonâncias Temporais”, especificamente concebida e projetada para o “Edital CoMciência de Ocupação em Arte, Ciência e Tecnologia”, trata da desestabilização e manipulação do tempo maquinal que permeia nossas comunicações via meios digitais. Quanto ao tempo, essas comunicações podem ser síncronas e assíncronas. Em “Ressonâncias Temporais” essas categorias são desestabilizadas e o usuário é convidado a explorar uma região cinza entre elas.

A instalação possui 2 nichos situados, preferencialmente, na sala de “Exposição Temporária” (nicho 1) e na “Área Edital” (nicho 2). Esses nichos são idênticos quanto aos seus elementos: cada um deles é composto por um aparelho de TV (posicionando na vertical) e um módulo/estrutura de madeira que dá suporte para a TV, para uma câmera de vigilância e para um pêndulo. Esse pêndulo, situado na frente da TV, pode ser manipulado pelo usuário. Por exemplo: no nicho 1, ao se posicionar na frente da TV e do pêndulo o usuário se vê, após 10 segundos, pela imagem da TV,  aproximando-se da instalação. Sua imagem na TV, portanto, está 10 segundos “atrasada”. Ao mover o pêndulo (que está inicialmente parado, pois está apenas pendurado) o usuário altera o comportamento da sua imagem. Ao acelerar o pêndulo, o usuário acelera a passagem do tempo: o atraso que era de 10 segundos diminui proporcionalmente (inversamente) ao aumento da amplitude do pêndulo. Ao animar o pêndulo, o usuário faz com que sua imagem no passado alcance seu presente. Nessa luta/jogo entre a persistência do presente ante o retorno incansável ao passado, novos elementos se apresentam à interação: ao se movimentar na frente da tela o usuário acaba apagando parte da sua imagem. A região da imagem onde o movimento acontece (a parte do corpo do usuário que se movimenta somada ao pêndulo em movimento) é temporariamente apagada, revelando uma imagem por trás dela. Essa imagem por trás é proveniente do outro nicho (nicho 2). O usuário é, assim, convidado a explorar a aparição do outro nicho e as transições entre passado e presente. No entanto, a imagem do outro nicho (nicho 2) carrega um certo grau de incerteza: existiria alguém no outro nicho (nicho 2) no presente, naquele instante da interação? Ou seria essa uma imagem do passado? Na verdade, os dois casos são possíveis. Quando existe alguém interagindo em um nicho (nicho 2, por exemplo) sua imagem é transmitida para o outro (nicho 1). Caso não haja ninguém no nicho 2, imagens previamente gravadas, de outras interações nesse nicho, são transmitidas para o nicho 1. 






Eventualmente, a interação de um usuário no nicho 1 pode ser apresentada a ele próprio no nicho 2 (e vice-versa). As chances disso acontecer aumentam se um usuário sair de um nicho e se dirigir ao outro nicho em um intervalo de 2 minutos, pois esse é o tempo que levaria para a sua interação ser transmitida para o outro nicho (o intervalo de 2 minutos passa a contar a partir do instante que o usuário sai do nicho 1).  No entanto, a apresentação de imagens gravadas desse usuário no nicho 2 dependerão da ausência de usuários no nicho 1 no momento de sua interação com o nicho 2. Assim, dependendo da combinação desses fatores (ausência e presença nos nichos), é possível que um usuário nunca veja imagens de sua própria interação passada. Com exceção desse intervalo de 2 minutos para a apresentação de uma interação de um nicho para o outro, as outras exibições de imagens gravadas são aleatórias: o usuário poderá ver imagens gravadas minutos, horas ou até dias atrás.

Além das imagens, a instalação possui também uma dimensão sonora: ao se aproximar de um nicho (nicho 1, por exemplo) o usuário ouve um som de baixa frequência, que aumenta e diminui de volume alternadamente. Esse som é proveniente do outro nicho (nicho 2). Ele é amplificado por 2 caixas de som situadas nas partes verticais da estrutura que suspende o pêndulo. Quando o usuário no nicho 1 movimenta o pêndulo, este também produz um som na mesma frequência. A alternância no aumento e diminuição do volume é ditado pelo movimento do pêndulo: Quanto maior sua altura maior será seu volume.  Temos, assim, um som que se movimenta (movimento “pan” entre caixas de som) de um lado para o outro, sincronizado com o movimento do pêndulo.

Se o usuário de um nicho (nicho 1, por exemplo) sincronizar o som de seu nicho com o som do outro nicho, sua imagem na TV desaparece completamente, revelando integralmente a imagem do outro nicho. Ao construir essa ressonância entre nichos, o usuário elimina temporariamente a obstrução que o impedia de ver totalmente o outro nicho. Essa ressonância não é apenas entre locais (os dois nichos). Ela pode ser também entre tempos: dependendo da situação (por exemplo: ninguém no nicho 1 + alguém no nicho 2) o passado (uma imagem/som gravados no nicho 1) podem entrar em ressonância com o presente (no nicho 2). Nesse caso, o passado determina a ação no presente, ao provocar a tentativa de sincronização sonora. Embora essa sincronização pareça ser difícil de ser alcançada, se pensarmos que o período (isto é, o tempo entre oscilações/ altura máxima) em uma situação real depende muito pouco da altura máxima atingida em cada oscilação, a sincronização pode ser facilmente alcançada apenas soltando o pêndulo de alguma altura maior que seu ponto mais baixo no momento que o som do outro nicho atinge seu volume mais alto.

Embora existam vários desdobramentos possíveis a partir das ações dos usuários, não existem maneiras corretas de interagir com a instalação. Sua natureza é exploratória e seu funcionamento possui abertura para diversas apropriações.

 

 



Conceito


Em tempos de isolamento espacial e da profusão da busca por compartilhamento do tempo mediados por aparatos tecnológicos que constroem uma sensação/sentido de “presença”, a obra “Ressonâncias Temporais” explora a “construção” e a percepção do tempo a partir de meios tecnológicos nos momentos em que nos comunicamos. Essa construção está em ressonância com nossos aparatos cognitivos: a ilusão da continuidade e da simultaneidade temporal depende da participação ativa de nossos órgãos sensoriais e sistema nervoso central. Em Ressonâncias Temporais, o tempo como construto é desconstruído, distendido, distorcido a ponto de desestabilizar até mesmo a nossa noção de “presença”: não apenas a presença do outro (com quem se comunica visualmente) mas até mesmo da própria presença. A manipulação desse “estar presente” (lembrando que as imagens podem estar até 10 segundos atrasadas) perturba a simetria entre a presença física e a presença “representada” na imagem. Assim, continuidades e assimetrias entre passado e presente, entre local e remoto, síncrono e assíncrono e entre ausência e presença constroem um terceiro “espaço”: o espaço da suspensão e suspeição dessas categorias.

Em “Ressonâncias Temporais” o usuário joga e brinca com a estrutura mediática do tempo, dialogando com uma interface que o conecta com o outro. No entanto, o diálogo é menos com o outro usuário e mais com o “tempo”. O outro aqui, a rigor, é o próprio tempo construído. O outro usuário é apenas parte do “mecanismo” de subversão temporal. Assim, na tentativa de observar e se comunicar com o outro usuário (ou a si mesmo) o usuário acaba por observar e manipular o tempo maquinal.

A interface que constrói esse tempo maquinal/artificial conduz o usuário a um jogo conflituoso entre revelar e esconder, conectar e obstruir. O pêndulo é um obstáculo que obstrui e prejudica uma ampla visão das imagens na TV. Ao retirá-lo da frente, movendo-o para os lados, o usuário altera o que está observando: sua imagem no passado alcança o presente. Portanto, ao tentar retirar o obstáculo para se observar no passado, o usuário destrói a possibilidade dessa observação. No entanto, durante essa destruição, uma outra possibilidade aparece: a der se conectar visualmente com um usuário em outro nicho. Mas essa possibilidade só persiste se o usuário apagar ou esconder sua própria imagem.

Esse jogo explicita a qualidade ambivalente de qualquer interface: toda interface é um obstáculo para a remoção de obstáculos, em termos flusserianos. De maneira geral, para toda possibilidade de conexão realizada, inúmeras outras possibilidades foram obstruídas e assim sucessivamente. Uma conexão mediada por uma interface molda e determina o que se pode ou não comunicar e o que pode-se conhecer ou não do outro. Em “Ressonâncias Temporais” esse obstáculo encontra o seu mínimo quando se alcança uma espécie de simpatia: quando os 2 nichos entram em ressonância, ao ter seus pêndulos colocados para oscilar sincronizadamente.

Embora a interface seja construída propositalmente com elementos familiares aos usuários (o pêndulo e o módulo com imagem de vídeo vertical, lembrando vagamente um smartfone), a desconstrução das categorias aqui já citadas (local/remoto, passado/presente, síncrono/assíncrono, presença/ausência) e a exposição do tempo como construto tendem a desnaturalizar os meios com os quais estamos interagindo com os outros atualmente e, quiçá, deslocam o olhar do usuário de modo a questionar e se apropriar dos meios digitais de comunicação de maneira mais consciente e até mesmo criativa.


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